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Os anos não me leem de forma rasa

O tempo é o tecido em que nós bordamos os nossos sonhosHenry Wadsworth Longfellow

Caríssimo leitor. Aproxima-se o mês em que nasci. E com ele, mais do que velas, chegam silêncios. São visitas sutis que entram pelas frestas da memória, tocam os móveis do tempo e me convidam à delicada tarefa de revisitar a própria vida – não com pesar, mas com a reverência que só a maturidade permite.

Chegar aos 67 anos é uma conquista que não se mede em linhas de expressão ou no número de aniversários comemorados. Mede-se, talvez, na coragem de permanecer inteira, mesmo depois de tantas mudanças. Vivo me reinventando e me reconstruindo.

A vida não foi feita para quem deseja controle. Ela é imprevisível, muitas vezes bruta, mas sempre generosa com os que sabem escutá-la. Os anos e a minha profissão me ensinaram a arte da escuta: das palavras não ditas, dos afetos sutis, dos gestos pequenos que revelam grandeza.

Quando somos jovens, queremos os holofotes. Com o tempo, desejamos a luz filtrada que entra pela janela no fim da tarde. A luz que não ofusca, mas revela. A luz que não grita, mas sussurra verdades. Escrevendo, percebi que descrevi um setting analítico à meia luz, ou o meu próprio consultório.

É curioso como o tempo deixa de ser algo a ser vencido e passa a ser algo a ser contemplado. Já não corro atrás das horas. Ou talvez, ainda corra… mas, caminho com elas. Já não exijo respostas, ou talvez as queira, mas aprendi a permanecer em paz com as perguntas.

Já não me esforço tanto para parecer forte, ou me esforço um pouco, mas entendi que há potência na vulnerabilidade, e que a beleza mais rara é a que não se mostra de imediato. Sei que estou sendo dúbia, mas justo aí mora a nossa dualidade, tão humana, em essência.

A epígrafe deste texto me acompanha como um bordado antigo: o tempo é, de fato, o tecido em que bordamos os nossos sonhos. E alguns sonhos, quando olhados de perto, não se cumpriram exatamente como imaginamos. Mas nem por isso deixaram de ter valor.

Ao contrário – foram pontos soltos que deram à minha, e à sua história, uma textura singular. É fácil aplaudir os planos realizados. Difícil é agradecer os planos que nos transformaram, justamente porque não se realizaram. E mesmo assim, seguimos. Elegantes na dor.

O mundo segue apressado, ruidoso, ansioso por novidade. Mas eu aprendi a gostar da repetição das coisas simples. Da minha taça de vinho no anoitecer, servida com prazer e afeto. Da louça da vovó que carrega histórias de família. Da música antiga de qualidade, a exemplo dos boleros na voz de Nana Caymmi, que partiu essa semana deixando-nos nostálgicos.

Todos esses e mais tantos outros detalhes voltam, ou talvez nunca saíram de mim, como quem sabem exatamente onde mora a minha alma. Há uma beleza discreta nos dias que não precisam se provar. Nos rostos que não pedem aprovação. Nos corpos que já não obedecem com a mesma rapidez, mas que ainda dançam, mesmo que por dentro.

Chegar aos 67 é, para mim, como estar num mirante. É ver a estrada percorrida com gratidão e a que ainda resta com serenidade, porém com esforço, estudo e contínuo aprendizado. Não me preocupo mais em ser lida corretamente. Os anos não me leem de forma rasa, e eu também não. Há camadas em mim que só o tempo revelou. E outras que talvez nem eu conheça por completo. E tudo bem. Há uma liberdade silenciosa em não precisar se explicar.

Caro leitor, não sei como você lida com o tempo. Mas se há algo que aprendi, é que resistir a ele é inútil. O que nos salva é acolhê-lo. É bordar com ele. É dançar com ele, ainda que com os pés descalços sobre o chão da realidade. E, vez ou outra, brindar. Não ao que passou. Mas ao que ficou. Àquilo que nem o tempo levou.

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