“O trabalhador merece o seu salário” Evangelho de Lucas, 10:7
Poucas profissões carregam tanto peso moral quanto a Medicina. De nós se espera dedicação ilimitada, prontidão infinita, cuidado quase sagrado. E, de fato, essa é a vocação de muitos de nós: estar ao lado do paciente, aliviar sua dor, lutar por sua vida.
Mas quando se trata de cobrar por esse trabalho, somos atravessados por um pudor que não atinge outras profissões. É como se ganhar dinheiro com a prática médica fosse feio, quase um crime, como se estivéssemos condenados a viver prisioneiros dos planos de saúde, recebendo mal por cada consulta enquanto as operadoras enriquecem às nossas custas.
O estudo, o tempo, a escuta, o zelo – tudo isso passa a ser tratado como se fosse uma commodity. O médico se torna o sal: barato, abundante, descartável. Mas, paradoxalmente, o mesmo paciente que paga caro ao plano de saúde acredita que o vilão é o médico que se recusa a ser explorado.
Os reajustes para os usuários são constantes, enquanto para os profissionais quase nunca vêm. O resultado é perverso: médicos que atendem dezenas de pacientes por turno, comprimindo o tempo da consulta para sobreviver no volume.
Recordo-me de uma experiência marcante: atendia pacientes de uma grande empresa e percebi que a minha podóloga recebia mais pela sessão dela do que eu pela consulta médica. Ela não tinha especialização, não tinha mestrado, não tinha doutorado, não passava noites estudando cada caso para oferecer o melhor.
E, no entanto, era remunerada com mais dignidade do que eu. A frase evangélica escolhida como epígrafe ecoa como denúncia: “O trabalhador merece o seu salário.” O médico também é trabalhador, e o que oferecemos não é só um serviço, mas ciência, experiência e humanidade aplicadas à vida de outro ser humano.
É comum ouvir pacientes dizerem que minha consulta é “cara”. Mas existe uma diferença essencial entre preço e valor. Caro é aquilo que custa mais do que o que vale; valioso é aquilo que entrega mais do que o que custa. Minha consulta não se resume ao tempo da consulta: ela carrega anos de estudo, dedicação, pesquisa, experiência clínica e, sobretudo, a escuta cuidadosa de quem se recusa a tratar vidas como números em uma planilha. Quem compreende essa diferença deixa de pensar em custo e passa a enxergar investimento em saúde e bem-estar.
Não me conformo em oferecer uma Medicina de baixa qualidade. Não quero consultas apressadas, que escutam apenas a queixa principal e se apressam em pedir exames, esquecendo que a clínica é soberana. Sem tempo de escuta e conexão, não há adesão ao tratamento.
Em minha prática médica, a primeira consulta dura uma hora e meia. É o mínimo para conhecer a história, as dores, as marcas de um paciente. É assim que consigo traçar estratégias terapêuticas adequadas. É assim que honro a confiança que me é depositada.
Meus pacientes estranham a pontualidade com que os recebo, como se fosse algo anormal. Estranham o tempo dedicado a eles, como se já tivessem naturalizado o atendimento de má qualidade. Estranham que eu não os faça esperar por horas, como se atrasar fosse um direito adquirido dos médicos. E se surpreendem quando afirmo, com toda seriedade: não prometo cura, mas prometo fazer sempre o meu melhor para que fiquem bem.
Essa é a Medicina que exerço há 44 anos. Não aceito transformar minha prática em produção de massa. Não aceito me conformar a um modelo que empobrece o médico e desumaniza o paciente. Cuidar exige tempo, dedicação, estudo. E tudo isso tem valor. Não apenas valor humano, mas também valor econômico. Não é indigno cobrar. Indigno é explorar quem estudou a vida inteira para oferecer o melhor e reduzir esse trabalho a cifras aviltantes.
Talvez tenha chegado a hora de dizermos, sem medo e sem pudor: a Medicina é ciência, é arte, é ética – e também é trabalho. E, como lembra o Evangelho, “o trabalhador merece o seu salário”.
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