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Esquecidos, distraídos ou sobrecarregados? A epidemia da memória lenta.

“Vivemos tempos de excesso de informação e escassez de atenção” Zygmunt Bauman

Outro dia, precisei de alguns segundos para lembrar de uma palavra banal. Era simples, cotidiana, dessas que usamos sem nem pensar. Mas a palavra não veio. Fiquei ali, no vácuo, esperando que minha mente fizesse o favor de resgatá-la.

Em outro momento, procurei as chaves do carro como se fossem um objeto perdido no espaço, quando, na verdade, estavam bem diante dos meus olhos. E então me perguntei: será que estou me tornando uma dessas pessoas desmemoriadas?

A verdade é que não estou sozinha. Vivemos uma espécie de epidemia silenciosa, onde esquecer pequenas coisas se tornou parte da rotina. Nomes que escapam, compromissos que desaparecem da mente, objetos que somem diante do nosso olhar.

Será que tudo isso tem a ver com meus 66 anos? Afinal, eu leio, escrevo, estudo, ensino, exercito meu cérebro de todas as formas possíveis. Ainda assim, sinto essa espécie de lentidão, como se meu HD estivesse sobrecarregado e demorasse para processar certas informações. Mas será apenas envelhecimento? Ou estamos todos sofrendo os efeitos colaterais da vida moderna?

Nunca antes fomos bombardeados com tanta informação. Dados, imagens, notificações, notícias, vídeos curtos, mensagens que chegam a cada segundo. A mente, que deveria processar as coisas com um mínimo de organização, agora se vê obrigada a saltar de um estímulo para outro sem tempo para consolidar nada.

Se antes aprendíamos e refletíamos, hoje consumimos e esquecemos. Não é uma falha da memória – é um sistema sobrecarregado que não consegue armazenar tudo. Além disso, há a ansiedade do ritmo contemporâneo. Tudo tem que ser rápido.

Se uma página da internet demora a carregar, já ficamos impacientes. Se um áudio no WhatsApp tem mais de dois minutos, já queremos acelerar. Vivemos na era da velocidade e, paradoxalmente, nossa memória não acompanha esse ritmo. Afinal, lembrar exige pausa, repetição, associação – coisas que o imediatismo do mundo atual não nos permite mais fazer.

Outro fenômeno curioso é que qualquer distração hoje rapidamente se transforma em diagnóstico de TDAH. Se esquecemos algo, já nos perguntam se temos transtorno de atenção. Se não conseguimos focar, já nos vemos enquadrados num rótulo clínico.

Mas será mesmo que temos um surto global de déficit de atenção, ou será que apenas vivemos num mundo que impossibilita a concentração? Aliás, se essas pessoas que hoje são diagnosticadas com TDAH sempre foram assim, como chegaram a ser professores, médicos, doutores, pesquisadores? Será que apenas não se falava nisso antes? Ou será que a mente humana está, de fato, reagindo ao excesso de estímulos e à dificuldade de manter o foco?

Me pergunto se essa minha demora para encontrar palavras, essa busca cega por objetos no lugar óbvio, é um sinal de algo degenerativo. Mas, honestamente, há um fundo de distração nisso tudo. De estar fazendo mil coisas ao mesmo tempo. De estar com a mente conectada em mil assuntos diferentes e não dar espaço para que a memória simplesmente funcione.

Talvez a solução não seja encher a mente com ainda mais estímulos, mas, ao contrário, dar-lhe respiros. Criar momentos de silêncio. Reduzir a quantidade de informação desnecessária. Reaprender a processar as coisas com tempo, sem essa urgência artificial que nos foi imposta.

Se nossa memória anda falhando, talvez não seja porque estamos envelhecendo, mas porque estamos sobrecarregados. E se quisermos lembrar mais, talvez devamos, antes de tudo, esquecer um pouco esse ritmo caótico. Só não me pergunte como faz para desacelerar, fechar a agenda, largar o celular e fazer detox deste cotidiano frenético. Talvez uma viagem para um lugar bem distante, mas desconfio que você, ainda assim, vai levar dentro de si os conflitos e as inquietações. Enfim, eu não tenho respostas. Agora me diga: você também sente que sua memória já não é mais a mesma?

originalmente do JLPolitica.com.br

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